A REURB e os Desafios da Regularização Fundiária no Brasil:Entre a Teoria Legal e a Realidade Prática
Introdução
A Regularização Fundiária Urbana (REURB), instituída pela Lei no13.465/2017, surgiu com o objetivo de legalizar ocupações informais que a lei determina de “núcleos urbanos informais”, promovendo segurança jurídica, cidadania e desenvolvimento social. Em tese, ela deveria ser um instrumento eficaz para garantir o direito à moradia e reorganizar os espaços urbanos consolidados e ocupados irregularmente. No entanto, passados mais de sete anos desde sua promulgação, sua aplicação na prática tem se mostrado ineficiente,excessivamente burocrática e, em muitos casos, meramente eleitoreira.
A REURB tem como objetivo principal regularizar núcleos urbanos informais, ou seja, assentamentos irregulares que se consolidaram sem o devido licenciamento e que não atendem à legislação urbanística, ambiental ou registrária. No entanto, se uma ocupação irregular estiver localizada em zona rural, mas tiver características urbanas ou de interesse social e coletivo, ela também pode ser objeto de REURB.
Este artigo propõe uma análise crítica da REURB, com foco nas modalidades previstas em lei, nas dificuldades enfrentadas nos cartórios de registro de imóveis e nos entraves impostos por prefeituras e secretarias de habitação. A partir da vivência prática no acompanhamento de famílias que buscaram a regularização fundiária, constata-se que, apesar do arcabouço legal, a REURB raramente alcança sua finalidade.
Base legal:
A Lei no 13.465/2017 é o principal marco legal da Regularização Fundiária Urbana (REURB) no Brasil. Essa legislação modernizou e simplificou os procedimentos para a regularização de núcleos urbanos informais, garantindo segurança jurídica para os ocupantes e promovendo o desenvolvimento urbano sustentável. A Lei no 13.465/2017 – Marco legal da REURB foi promulgada em 11 de julho de 2017, essa lei dispõe sobre:
– A regularização fundiária rural e urbana;
– A alienação de imóveis da União;
– A concessão de uso especial para fins de moradia;
– O parcelamento do solo urbano.
Ela institui a REURB como política pública de interesse social e urbanístico, criando dois tipos principais de regularização: Ainda, a REURB prevê ainda Lei no 13.465/2017, no seu artigo Art. 9o. A regularização fundiária urbana poderá ser aplicada, excepcionalmente, em áreas situadas em zona rural que apresentem características de área urbana ou de expansão urbana, conforme definido em lei municipal. Ou seja, se o município reconhecer que uma ocupação rural tem características urbanas (ex.: densidade populacional, uso coletivo, infraestrutura básica), ele pode enquadrar esse núcleo na REURB, desde que previsto em lei local.
Modalidades da REURB
A Lei no 13.465/2017 estabelece duas modalidades de regularização fundiária: REURB-S (de interesse Social): voltada para núcleos urbanos informais ocupados predominantemente por população de baixa renda. A intenção é assegurar o direito à moradia e a inclusão social. REURB-E (de interesse Específico): direcionada a ocupações não enquadradas como de interesse social. voltada para ocupações com perfil fundiário diverso (não necessariamente baixa renda). Geralmente, aplicada em áreas ocupadas por pessoas de classe média ou em empreendimentos consolidados informalmente. A distinção entre as modalidades impacta diretamente nos requisitos exigidos, nas isenções aplicáveis e nos trâmites processuais. Porém, na prática, mesmo pedidos inseridos claramente na REURB-S encontram obstáculos similares aos da modalidade específica, o que compromete a efetividade do programa.
Entraves nos Cartórios de Registro de Imóveis
Uma das maiores dificuldades enfrentadas na REURB é a efetivação do registro da regularização junto ao Cartório de Registro de Imóveis. Embora a lei imponha prazos e procedimentos simplificados, os cartórios frequentemente exigem documentação excessiva, promovem interpretações restritivas da norma e se recusam a efetuar registros sob justificativas técnicas que desconsideram a função social da norma. A desconfiança institucional, aliada à insegurança jurídica e à falta de padronização entre os cartórios, transforma o que deveria ser um instrumento célere em mais um capítulo da morosidade judicial e cartorária brasileira.
A Burocracia Institucional e a Inércia dos Municípios
Outro entrave importante é o papel das prefeituras e secretarias de habitação. Apesar de serem os principais agentes responsáveis pela tramitação da REURB, muitos municípios não dispõem de estrutura técnica ou vontade política para implementar os procedimentos com eficácia.
Na prática, o que se observa é uma resistência sistemática à concessão da regularização. Exige-se um volume documental incompatível com a realidade das comunidades a serem beneficiadas. Processos são indeferidos por falhas formais mínimas, e os próprios técnicos municipais, muitas vezes despreparados, dificultam ainda mais o trâmite. Em alguns casos, a ausência de políticas habitacionais estruturadas transforma o procedimento em uma via morta, devolvendo as famílias à informalidade jurídica.
A Ilusão da REURB: Entre a Retórica Eleitoral e a Realidade Social
A experiência prática no acompanhamento de famílias em processos de REURB revela um triste paradoxo: o programa, criado sob a justificativa de promover justiça social e segurança jurídica, serve muitas vezes como instrumento de propaganda política, especialmente em anos eleitorais. Os anúncios de “regularização em massa” são feitos com grande alarde, mas os processos efetivos são protelados, indeferidos ou arquivados.
A REURB, ao menos como vem sendo operacionalizada no Brasil, não resolve a insegurança fundiária. Pelo contrário, frustra expectativas e leva muitas famílias de volta ao caminho da usucapião judicial, ou ainda, da modalidade da usucapião extrajudicial, em conformidade com Provimento 65/2017 e 121/2021 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, que embora mais demorados e custosos, se mostram mais concretos e eficazes na prática profissional.
Conclusão
A REURB, em sua concepção legal, é um avanço importante no campo da regularização fundiária. No entanto, sua aplicação tem revelado uma profunda desconexão com a realidade das famílias que busca atender. O excesso de burocracia, a resistência institucional, a insegurança cartorária e a falta de apoio técnico tornam o processo inviável para a maioria dos interessados. Para que a REURB cumpra sua função social, é necessário um esforço conjunto de desburocratização, capacitação técnica dos municípios, controle externo dos cartórios e, sobretudo, compromisso político que vá além das intenções eleitoreiras. Enquanto isso não ocorrer, a usucapião judicial e ou a via extrajudicial seguirá sendo única via efetiva — embora longa — para o reconhecimento do direito à moradia.